Durante as observações astronômicas públicas em que participo surgem muitas perguntas e afirmações do pessoal, que na maioria das vezes, está observando através de um telescópio pela primeira vez. Algumas extremamente inteligentes outras nem tanto. Dentre elas algumas a gente ri (por dentro), disfarça e responde como pode, outras, a gente responde com prazer. Ah, e tem aquelas que a gente pensa…, pensa mais um pouco, até dizer… – Olha, não sei te responder…

Universitário empolgado com o que acabou de ver no telescópio.

Uma das afirmações que mais fazem durante a observação da Lua é:

– “Olha! Estou vendo a bandeira dos Estados Unidos!” – ou então – “Estou vendo a pegada do Louis Armstrong” (trocar o Neil pelo famoso jazzista é mais que normal!).

A afirmação pode parecer ridícula, mas já me fez pensar muito sobre o assunto. Outra questão conspiracionista corriqueira é:

– Por que a NASA não aponta o Hubble pra Lua?!? Por que não apontam o maior telescópio da Terra pra Lua e mostram a bandeira dos americanos?!?

Foi participando da comunidade “Astronomia!” do Orkut (que entre os anos de 2006 e 2009), que descobri um artigo do site Amateur Astronomer’s Notebook, explicando a dificuldade de ver a bandeira ou qualquer outra prova da presença americana na Lua. Em dois ou mais posts vamos discutir o assunto, simplificando e adaptando o texto para nossos padrões de medida. Neste primeiro post vamos falar sobre o que o autor do artigo chama de “Método das Proporções”.

Hoje o maior telescópio de espelho único da Terra em operação é o Subaru, com 8,2 metros de diâmetro, e está instalado no Mauna Kea, Havaí. Já o maior telescópio com espelhos segmentados (múltiplos espelhos) é o Large Binocular Telescope que tem dois conjuntos com 8,4 metros cada e que trabalhando juntos têm a mesma capacidade de captação de luz de um bloco único de 11,8 metros.

À esquerda o Large Binocular Telescope (Arizona, EUA), e à direita o Subaru (Mauna Kea, Havaí, EUA)

Seriam estes telescópios suficientes para observar a bandeira americana na superfície lunar?

Primeiramente para sua (nossa!) decepção, me permita já dizer que a resposta será: É impossível vê-la como os telescópios existentes na Terra.  Mesmo que o tamanho teórico do telescópio seja suficiente ainda temos a questão da atmosfera terrestre que nunca está estável suficiente para uma imagem perfeita, mesmo com a tecnologia atual da “óptica adaptativa”. Porém, para esta análise, vamos supor uma condição ideal em que a atmosfera se comporte como se ela não existisse para um telescópio terrestre, e que o espelho construído tenha total qualidade na resolução dos comprimentos de onda, suficiente para a observação dos detalhes em questão.

Uma coisa é perceber a bandeira, outra coisa é observar seus detalhes (como por exemplo, as faixas vermelhas e brancas). Qual deveria ser o tamanho de um telescópio para visualizarmos a bandeira como um pequeno ponto?

O diâmetro da Lua é de 3476 km, é vista com 30 minutos de arco da Terra. Cada quilômetro de seu diâmetro corresponde a 0,58 segundos de arco.

O diâmetro da Lua é de aproximadamente 3 476 km, está a uma distância média de 384 400 km e observada da Terra tem um tamanho angular de 30 minutos de arco. Como cada minuto de arco possui 60 segundos de arco, então a Lua possui 30 x 60 = 1800 segundos de arco. Ok, a pergunta agora é: se temos 1800 segundos de arco e a Lua tem 3 476 km, quantos segundos de arco correspondem cada quilômetro do diâmetro lunar? Uma regra de três simples mostra que o valor é 0,58 segundos de arco.

Agora, qual é o tamanho da bandeira? Olhando as fotos dos astronautas ao lado da bandeira, estimo seu tamanho em 1 metro de comprimento por 1 metro de largura. 1 metro é igual a 0,001 km. Se 1 km corresponde a 0,58 segundos de arco, quanto corresponderá 0,001 km? Outra regra de três simples mostrará que o valor é de 0,58 x 0,001 = 0,00058 segundos de arco. Este é o valor que um telescópio deve ter o poder de observar para “perceber” a bandeira como um ponto.

Há aproximadamente 150 anos atrás o astrônomo inglês William Rutter Dawes descobriu a fórmula que relaciona o diâmetro de um telescópio e seu poder máximo de  resolução. A fórmula é:  R = 11,6/D, ou seja, a resolução é igual  a 11,6 dividido pelo diâmetro (em centímetros). Reorganizando a fórmula podemos também dizer: o diâmetro do espelho (em centímetros) é 11,6 dividido pela resolução que ser quer alcançar.

Queremos uma resolução de 0,00058 segundos de arco, portanto, ao colocar esse valor na fórmula chegamos a um espelho de 20 mil centímetros, que dá 200 metros!!! Um telescópio com espelho de 200 metros apenas para ver a bandeira como um ponto mínimo!

William Rutter Dawes, astrônomo inglês, descobriu a relação entre o tamanho da objetiva e seu poder de resolução. R = 11,6/D (D em centímetros e R em arcosegundos)

Só que para ter certeza de que a bandeira não foi fincada por algum ET e que ela é realmente americana, precisamos vê-la em melhores detalhes. Ela tem 13 faixas intercaladas entre branco e vermelho. Para uma bandeira de 1 metro de largura dará aproximadamente 8 centímetros de largura para cada faixa. Ver essas faixas seria o suficiente para identificar a bandeira.  Usando o mesmo método acima, mas substituindo a largura da bandeira (0,001 km) pela largura das faixas contidas nela (0,00008 km) teremos: 0,58 x 0,00008 = 0,0000464 segundos de arco; D= 11,6/0,0000464 = 250 0000 centímetros. Isso significa que seria necessário construir um telescópio com espelho de 2,5 quilômetros de diâmetro para afirmar que a bandeira está lá mesmo! (Isso se nosso planeta não tivesse atmosfera nem poluição luminosa para atrapalhar!)

Observação: considera-se que o plano da bandeira esteja perpendicular à visada do telescópio. Não estando assim (se certamente não está), a observação é mais difícil ainda.